Muitas reformas estão em pauta: a reforma política, reforma tributária, reforma do judiciário etc. E a reforma da câmara de deputados?
Um livro clássico em cursos de administração de empresas em todo o mundo chama-se “A Meta” (The Goal) por de Goldratt & Cox. Nele estudantes de administração aprendem a determinar o objetivo de uma empresa e identificar os gargalos nos processos internos da empresa (seja ela de produtos ou serviços) que a impedem de atingir seus objetivos.
Se aplicarmos um pouco do que aprendemos desse livro para iniciantes sobre o que sabemos do nosso atual modelo parlamentar brasileiro, se torna fácil afirmar que a nossa câmara não representa bem seu objetivo e por isso não sabe identificar seus gargalos.
A câmara de deputados é a porta de entrada para os representantes da sociedade. Ela é quem tem legitimidade de criar as leis que regulamentam as funções do Estado para satisfazer as expectativas da sociedade. A existência de uma câmara é item fundamental para fazer a democracia representativa funcionar.
Temos uma câmara mas será que ela cumpre suas funções? Será que ela é eficiente? Essa questão surge após constatarmos como o custo dessa democracia tornou-se caro para uma sociedade empobrecida.
Segundo estudo da BBC publicado no dia 7 de dezembro de 2018, o Congresso brasileiro é o segundo mais caro do mundo atrás somente dos EUA, hoje uma potência econômica dez vezes maior que a brasileira. O custo da câmara gira em torno de R$ 10 bilhões por ano e, sem entrar em maiores detalhes do que daria para se fazer com esses recursos em outras áreas, esse dado sozinho aponta para grandes ineficiências.
Essas ineficiências se devem a gargalos no processo legislativo que, por falta de análise crítica do poder legislativo, tem buscado remendos na forma de mais recursos públicos.
Quais as áreas de ineficiência da Câmara e como elas podem ser modificadas?
São 3 áreas de ineficiência: processo regimental, falta de planejamento e o ambiente da Câmara.
No que concerne ao processo regimental na Câmara dos Deputados, os deputados criam propostas de leis isoladamente em seus gabinetes, a Mesa da Câmara distribui para as comissões, as comissões não têm tempo de avaliar e votar todas as propostas de leis criadas e terminam por estocar a maioria delas.
As que são votadas passam para uma outra comissão e correm o risco de serem estocadas até que uma oportunidade se apresente, geralmente pela demanda política do momento. Mesmo que uma proposta seja avaliada e votada favoravelmente por todas as comissões e, no caso de não ter tramitação conclusiva, siga tranquilamente de volta para o Plenário da Câmara, o Presidente pode simplesmente estocá-la, às vezes por anos ou décadas.
Todo esse processo tem uma válvula de escape que é o voto de urgência que permite que um projeto vá direto ao plenário sem passar por nenhuma comissão ou pela chancela do Presidente da Câmara. Na verdade, o voto de urgência é o “jeitinho” para resolver as falhas no modelo parlamentar. Ou seja, resolve mas cria outros problemas: fura fila e retarda outros projetos de debate mais maduro e abre a porta para abusos e pautas que levam a legislações muitas vezes de mera ocasião.
Como um gerente de produção resolveria o gargalo? Uma maneira óbvia e de fácil implementação seria aumentar a eficiência nas comissões. As comissões dependem da participação de seus titulares ou suplentes para terem quórum suficiente para iniciar trabalhos de avaliação de projetos e propostas. Muitos parlamentares têm de se deslocar até Brasília para que isso aconteça o que custa tempo de trânsito e dinheiro público em transporte. Com a nova tecnologia que foi implementada na Câmara durante a pandemia de 2020, as comissões podem se beneficiar e ampliar o tempo de operação e volume de projetos avaliados facilmente.
Se há um aspecto negativo dessa solução é que o efeito de toda tecnologia é melhorar a produtividade o que em termos legislativos pode não ser tão bom assim. Cria um incentivo para todos os 513 deputados criarem ainda mais propostas de leis e logo o novo sistema se encontraria sobrecarregado assim como o atual.
A outra maneira, de efeito mais profundo e duradouro, seria introduzir planejamento jurídico que teria efeito em todo o modelo. Como isso funciona? Atualmente os líderes de partido definem qual é a pauta a ser votada na semana baseados nos milhares de projetos em estoque na Mesa da Câmara e nos projetos de urgência. Seria muito mais produtivo se o Presidente da Câmara, junto com os líderes, ampliassem o horizonte, o cronograma de projetos para, digamos, o semestre ou mesmo o ano. Se a Câmara obedecesse a um cronograma legislativo, uma série de benefícios se materializariam.
Primeiro, o planejamento eliminaria ou reduziria drasticamente os gargalos nas comissões uma vez que definiria uma baliza legislativa eliminando o ruído político e projetos fora dessa baliza.
Segundo, isso reduziria os custos da assessoria da Câmara que hoje tem de atender a todas as demandas de todos os 513 deputados. Com o foco só naquilo que tem de ser votado, a assessoria seria muito mais expedita e eficiente na elaboração de projetos e poderia se aprofundar muito mais na análise técnica de cada proposta.
Terceiro, o planejamento beneficiaria o debate nas comissões que seriam mais fundamentados e profundos com conscientização mais ampla dos deputados.
Quarto, haveria mais previsibilidade. Com a previsibilidade todos entes federativos e a iniciativa privada podem planejar com mais segurança suas atividades e orçamentos. Em função de um regramento em constante fluxo, nem governos nem empresas têm visibilidade do que podem esperar no ano legislativo.
Quinto, o planejamento jurídico traz estabilidade jurídica para o Brasil. Atualmente há milhares de projetos aprovados por legislaturas anteriores que estão estocados na Mesa da Câmara. A qualquer momento o Presidente da Câmara pode pautar qualquer um deles independentemente de estarem alinhados com o momento político ou não. Isso dá um tremendo poder ao Presidente da Câmara desassociado de qualquer alinhamento com os partidos, com o Poder Executivo, ou com os eleitores. Respondendo à pergunta “o que podemos esperar da Câmara esse ano?” traria maior estabilidade reduzindo as chances de haver votação surpresa ou pauta bomba no percurso.
Há quem critique o fato de que ao se criar um planejamento várias iniciativas políticas ficariam sem ter uma avaliação justa. Na prática isso já ocorre de qualquer maneira abrindo espaço para o ativismo judicial por parte do STF. O que temos que ter consciência é que o processo de limitar é ato justo e mantenedor da representatividade política tal qual expressa via eleições de parlamentares. Em outras palavras, se o tema não está sendo discutido é porque não era da vontade popular, para ser discutido através de seus representantes.
Em suma, a adoção de um planejamento jurídico anual cria limites assim como os limites orçamentários visando equilíbrio fiscal. E, assim como o equilíbrio fiscal, pode afetar positivamente na redução do risco Brasil, o que teria um impacto positivo para toda a sociedade.
Parlamento brasileiro
Parlamento francês
Parlamento alemão
Parlamento inglês
Por fim, há o ambiente da Câmara que é muito distante de qualquer parlamento em país desenvolvido. No atual modelo há vários pontos de reforma tanto de estrutura física quanto de regimento interno da Câmara.
Com relação à reforma física alguns pontos saltam aos olhos:
Primeiro, não há cadeiras suficientes para todos deputados,
Segundo, não há microfones na mesa de cada parlamentar, forçando com que um grupo esteja sempre em pé no centro e ao lado dos microfones.
Terceiro, há duas tribunas, uma de cada lado da Mesa o que divide o público de parlamentares em dois, tornando o ocupante da tribuna “invisível” ao menos para uma parcela do parlamento.
Quarto, as cadeiras parlamentares estão voltadas ao púlpito da Mesa da Câmara, enquanto em parlamentos que promovem debates mais francos e diretos, as mesas se organizam em semicírculo ou diretamente opostas umas das outras.
Com relação à reforma da conduta da Câmara, é necessário a separação do poder na Câmara entre o Presidente da Câmara e a de um chefe regimentalista que se encarregue da condução dos trabalhos sempre que houver sessão.
Atualmente o presidente da Câmara concentra a função de definir a pauta a ser votada assim como a regência dos trabalhos em Câmara. O debate parlamentar daria um salto evolutivo se a regência fosse isenta. O Presidente da Câmara por ser de um partido está sempre em risco de faltar com a isenção se cortar o microfone de um parlamentar de um partido que não o do próprio que não esteja debatendo o tema em votação. O abuso do uso do tempo dado ao parlamentar no microfone ou na tribuna para falar de assuntos não relacionados com a pauta em questão efetivamente desgasta a todos e mata o debate em parlamento.
Os dirigentes rotativos da câmara tem consertado esses problemas da maneira errada. No raciocínio predominante até agora os parlamentares são dotados de cada vez mais recursos públicos na forma de aumento de cota parlamentar de verbas de gabinete e de números de assessores que cada parlamentar tem a sua disposição. A câmara, por sua vez, vem aumentando numero de assessores para atender aos parlamentares superdotados. Tudo isso para tornar o processo legislativo mais produtivo mas o que gera o efeito contrário em aumentando o stress nos gargalos.
Está na hora de pensar em focar, planejar e priorizar como alternativa para reduzir o volume nos gargalos e reduzir a necessidade de crescer o aparato estatal antes que o custo da democracia inviabilize sua própria existência.
Para que esses itens se materializem novas regras precisam ser criadas. Uso de tecnologia nas comissões, regras de planejamento otimizam o tempo de todos e afetam as funções do presidente da Câmara e do colégio de líderes, e reformas físicas e processuais na Câmara para fomentar o debate. A câmara não precisa de mais recursos, precisa de melhores processos. Essa afirmação é válida para os poderes públicos como um todo mas seria ideal que a câmara liderasse esse processo estabelecendo-se como exemplo de que a democracia é sustentável.
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2 Comments
A Câmara é o órgão mais Socialista do Brasil a medida que um deputado não tem o peso do voto proporcional ao seu desempenho nas eleições. O Senado até seria coerente. Mas o voto do Deputado deveria valer:
Valor = nº de votos do Deputado dividido pelo total de votos.
Uma observação. Com Lula e Dilma, no Senado e no congresso, o sentido das ‘leis eram muito claros, desmoralizar as instituições. Bem, abafaram […] aqueles senadores e deputados que mais se manifestaram no período do impeachment de Dilma e, pós-impeachment de Dilma. No momento, eles estão correndo atrás do prejuízo, não querem ‘se queimar, mais, do que já estão queimados (Gleisi, por exemplo), querem cair no esquecimento, até a próxima eleição e enquanto isso, articulam a desmoralização, não mais, exatamente das instituições, mas, do governo B. Esse bloco de gente não quer resolver problema algum no governo B. São inimigos da democracia, do capitalismo, do sistema de governo, e que querem um novo sistema de governo cuja praxis, seja a praxis de Gramsci, em parte e, em parte a praxis da Nova Ordem Mundial. ‘Seu sistema de governo se defina pela concentração de poder nas mãos do Estado e o fascismo econômico, veja o Estado do Paraná e as cooperativas! E tanto o presidente da câmara quanto do senado são mais simpáticos a eles do que, ao governo de Bolsonaro ou, um sistema de governo, que na verdade foi viciado com fortes doses de um decadente nacionalismo de pós-guerra mundial.